ENCHENTE, UMA CRISE DE CARÁTER
Gilberto Jasper
Jornalista/gilbertojasp@gmail.com_
Cenário de guerra, caos, inacreditável, uma barbaridade, nunca vi uma coisa assim, será o fim do mundo?, o que fizemos a Deus para que isso acontecesse?
Estas expressões tornaram-se onipresentes desde a eclosão do maior desastre natural do Brasil, consequência das enxurradas que varreram o Rio Grande do Sul. Na Serra e no Vale do Taquari, trata-se da terceira tragédia no espaço de sete meses. As consequências materiais são visíveis, embora seja difícil quantificar e mensurar. Mas o que será do emocional das pessoas impactadas pelas enchentes?
A mobilização solidária de todo país e parte do mundo tem sido proporcional à devastação que atingiu o Estado. É comovente ver a força das iniciativas de arrecadação de todo tipo de bens necessários à assistência dos milhões de flagelados. Mas como será depois que águas voltarem ao curso natural, a mídia abandonar as áreas atingidas e as verbas minguarem?
Serão anos, talvez décadas, de reconstrução do RS, sem recuperar tudo o que a água levou. Além de todos os obstáculos resultantes da tragédia, para outubro estão marcadas eleições municipais. Num mundo ideal – muito diferente e distante do mundo real – deveríamos adiar o pleito para concentrar forças na união das comunidades e para canalizar todo dinheiro no conserto da colossal destruição patrimonial que flagelou os atingidos. Mas isso seria possível de realizar?
O ápice do desastre potencializa a demagogia, cuja face visível é a revoada incessante de ministros, secretários e aspones às zonas atingidas. Os sorrisos diante das luzes da TV, que brilham nas entrevistas coletivas, arrefecem assim que a mídia for embora. Duvidam?
Em sete meses desde as enchentes de 2023, 28 minúsculas casas provisórias foram entregues no Vale do Taquari (em Arroio do Meio, minha terra natal), resultado da mobilização do Sindicato da Indústria da Construção Civil. É zero a entrega de residências dos governos federal e estadual. A morte de mais de 50 pessoas foi incapaz de sensibilizar os donos do cofre?
A indagação ao final de cada parágrafo é um protesto pelo uso político desta tragédia inédita. A maior tragédia, talvez, seja a falta de caráter de quem é (muito bem) pago para garantir nossas vidas.